
— Existe o chamado custo Brasil, a
carga tributária, a logística difícil — explica Fabiano Coelho,
professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas e especialista em formação
de preço, que fez os cálculos listados no início do texto. — Mas outros
fatores se somam a isso. Como éramos um país fechado, ter acesso ao que
se produzia no exterior era difícil. Passamos a achar que o que vem de
fora e o que é mais caro é melhor. E ainda é difícil mudar isso — diz o
professor.
Na prática, ele explica, há valores mais
altos simplesmente porque existem referências externas. Coelho lembra
que alguns carros importados que podiam custar menos elevam seus preços
no Brasil, diferentemente do que fazem no México, por exemplo, para se
diferenciar de carros populares:
— Sobem o preço para manter o veículo na categoria em que ele é percebido, que é superior.
O
poder que determinadas marcas representam para quem as consome também
é, afinal, um balizador. Grifes adoradas por brasileiros lá fora — como
Victoria’s Secret, GAP e Tommy Hilfiger — têm preços médios no exterior.
Mas são ícones aqui, então custam mais caro, diz Coelho. Daí a imagem
já clássica nas redes sociais de brasileiros comprando em massa nos
outlets americanos, onde podem resolver o desejo de encher a mala de
peças assinadas pelas marcas da vez.
Coordenadora do
curso de Marketing de Moda do IED-Rio, Melina Dalboni explica que as
empresas também usam o preço para delimitar quem vai vestir, exibir ou
usar seus produtos.
— Muitas grifes no
Brasil subiram preço nos últimos dez anos, mas isso não quer dizer que
entregam qualidade equivalente à imagem. Elas apenas deixam claro que
não querem ser usadas por qualquer um, querem circular nas classes A, B e
C+.
Para ela, o brasileiro reflete mais o estilo voraz
de consumo do americano, da cultura das celebridades. Já os europeus
tendem a valorizar mais o consumo cultural e o luxo.
—
A Carrie (Bradshaw, personagem de Sarah Jessica Parker), em “Sex and
the City”, não tinha dinheiro para comprar os sapatos caríssimos que
usava, mas dava um jeito. Os brasileiros são assim — comprara Melina,
lembrando que mesmo grifes de luxo vendem parcelado por aqui.
VAI PARCELAR EM QUANTO?
Em
todas as classes sociais, as grifes surgem como símbolo ou status para
se diferenciar do outro. Elaine Rosa, 29 anos, carioca da Pavuna que
mudou recentemente para o Engenho Novo, lembra de seus sonhos de consumo
na adolescência.
— Fui bolsista numa escola em que eu
era a única negra. Eu queria ter a Melissa e a mochila da Kipling que as
meninas da Tijuca tinham. Hoje, na periferia, a grande maioria ainda
escolhe o que comprar pelo status, como ter o iPhone ou o Samsung de
última geração — conta a criadora da produtora de eventos Rainha Crespa,
que organiza a Feira Crespa, ancorada em afroempreendedorismo. — Há
pessoas superconsumistas, que querem usar Reef, o chinelo ostentação, ou
a sandália Melissa, as coisas que mostram quem tem dinheiro na favela.
Mas isso está mudando, e cresce o interesse por produtos que valorizam a
identidade negra.
Coelho diz que gastamos mais do que podemos, gostamos disso, e as marcas estão atentas:
—
A Apple precifica o iPhone dela, no alto, pelo que os brasileiros e os
chineses estão dispostos a pagar, de US$ 700 a US$ 1 mil por modelos
mais novos. O americano paga muito menos, comprando o aparelho atrelado a
uma empresa de telefonia.
O preço é, assim, claramente
um fator que ainda se sobrepõe à racionalidade. Veja o caso do vinho. O
Brasil já tem espumantes premiados entre os melhores do mundo. Ainda
assim, o brasileiro valoriza muito mais os estrangeiros.
Nossa
decisão de compra é sobretudo emocional. E, mesmo em recessão, há quem
prefira abrir mão de diversos itens para manter a compra da marca
preferida. Acredita-se que o preço ainda define o que é melhor.
Renato
Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e que conduziu pesquisas
sobre o consumidor emergente brasileiro, diz que não basta ver o bolso:
—
Muita gente topa pagar mais caro e parcelado para ter já o que poderia
ter, sem juros, no futuro. Há pessoas que criticam a compra de um iPhone
por quem ganha pouco. Mas isso só evidencia a dificuldade de enxergar o
outro. Smartphone é status, mas é também central para se conectar.
—
Quando o funk estourou, nos anos 1990, as classes populares nem eram
consideradas nas pesquisas de mercado — pondera a antropóloga e
professora da PUC-Rio Mylene Mizrahi. — Mas foi o que impulsionou a
calça jeans da Gang. Essa apropriação de um bem de consumo pelas meninas
que iam ao baile fez da calça um bem cobiçado na virada para os anos
2000.
BEM NA SELFIE
Acrescente-se
a tudo isso o fator rede social, que o brasileiro adora e está entre os
maiores usuários do mundo. Mais do que vestir, consumir, frequentar, é
preciso compartilhar o que se veste, consome, frequenta. Tudo em imagens
lacradoras.
— No fim, o preço vai muito além do
imposto. Apesar de ser a oitava economia do mundo, o Brasil é a 65ª em
distribuição de renda. Não há escala suficiente para que os produtos
cobiçados cheguem a ser baratos — argumenta Alexandre Versignassi,
jornalista, historiador e autor de “Crash — Uma breve história da
economia”. — Quando a demanda é relativamente pequena, há muita
elasticidade no preço. Exagerando, uma Mercedes top de linha tem três
compradores. Como cada um quer mostrar que tem mais dinheiro do que os
outros dois, o vendedor está livre para cobrar o que quiser. (O Globo)
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